É minha convicção que os navegadores das chamadas redes
sociais, na sua grande maioria, pecam por desatenção, futilidade e vontade de
acreditar no que mais jeito dá. No meio de tudo isto, fica ausente o espírito
crítico e prevalece o slogan, as ideias feitas e a resposta formatada. Por
exemplo: é frequente aparecer no Facebook um post em que, a acompanhar uma foto
duma artista de filmes porno (Mia Khalifa) se coloca uma legenda com mais ou
menos estes dizeres: «Fulana, aluna do Liceu de Freixo de Espada à Cinta,
ganhou as Olimpíadas Mundiais de Matemática e os media nada disseram. Se fosse
um futebolista não faltariam os elogios, mas como é uma jovem estudante, ainda
por cima da província...».
Isto aparece há vários anos, mais do que uma vez por ano, e
não adianta denunciar, é uma febre incurável e recorrente. As partilhas somam-se
por muitos milhares. Ninguém duvida daquela idiotice nem repara na mais do que
suspeita figura retrata, insuficientemente jovem para andar no liceu, de formas
sensuais exuberantes. Ninguém se dá ao trabalho de ir constatar que não existem
Olimpíadas de Matemática e que o instituto invariavelmente apontado como organizador
não existe. Mas dos comentários, a tónica geral é a da conveniência de atacar o
futebol para armar ao pingarelho, reflexo condicionado da formatação recebida.
Que hipócritas!
Ora bem: os benfiquistas são 6 milhões (dizem eles), os
portistas 3 milhões (dizem eles), os sportinguistas 2 milhões (dizem eles) e
esta massa, a totalidade do povo português, para que os referidos clubes não
joguem apenas entre eles, apoia uma série de clubes figurantes. Conclusão: os
comentários a condenar o futebol são tão falsos quanto o post que vimos
referindo. Não sei se repararam, mas estes dichotes acerca dos milhões de
adeptos procuram ser irónicos. Eu sei, eu sei que os assanhados do comentário
levam tuto à letra e só lêem pela rama, mas paciência.
Por estes dias, depois de já termos visto esta coisa dezenas
de vezes, anda a circular nas redes aquela foto esmaecida, para armar ao
antigo, colocada agora por um tal Primoz Gosak, com a legenda: «Por favor,
ajudem! Encontrei esta foto no chão em frente ao Lidl. Na página de trás diz:
"Mãe e pai, 1955". Adoraria devolvê-lo ao seu dono, parece uma foto
preciosa. Por favor compartilhem para que possamos encontrar o dono! Obrigado.»
Interessante é que o original deste tal Primoz Gosak – e vá
lá saber-se por que corre em português – está escrito em sérvio e não diz
exactamente o que anda a circular. Em sérvio diz: «Prosim pomagajte! Tole
sliko sem našel na tleh pred Lidlom. Na zadnji strani piše, " Mami in oči,
1955". Z veseljem bi jo vrnil lastniku, izgleda kot stara in dragocena
fotografija. Prosim delite da najdemo lastnika! Hvala.» O Google diz que
este arrazoado se traduz assim: «Por favor ajude! A força aérea não está lá.
Na parte de trás está escrito "Mamãe e papai, 1955". Para onde quer
que você olhe, há uma bela sessão de fotos de arrastar e soltar. Vamos dar um
passeio! Obrigado.».
Já viram o despautério?
Mas adiante. Na tal foto esmaecida estão os actores Crispin
Glover e Lea Thomson, que na trilogia de ficção científica dos anos 80,
Regresso ao Futuro, representavam os papéis de pai e mãe do herói Marty MacFly.
Já falámos bastas vezes de uma outra doença facebookista, que
é, digamos, o citacionismo – esta inventei agora e não deve confundir-se com
situacionismo, que este é o lugar onde o citacionismo acontece, a mania das
citações, que até poderiam ser interessantes, se fossem verdadeiras. Einstein, Tesla,
Pessoa – eu sei lá! – já disseram tudo e o seu contrário, mesmo sem terem dito.
Há uma frase habitual no
citacionsimo muito querida das hostes pseudo-ecológicas que vem sendo atribuída
a um chefe índio qualquer, que reza assim: «Quando a última árvore for
cortada, quando morrer o último peixe, quando o último rio acabar contaminado,
todos verão que o dinheiro não se come». Quem o disse e escreveu foi Alanis
Obomsawin, cineasta, pintora e escritora canadiana nascida nos USA